1. O primeiro princípio, que deve ser afirmado com clareza e vigor, é que a pessoa deficiente (seja-o por enfermidade congênita, em conseqüência de doenças crônicas, de acidentes, como também por debilidade mental ou enfermidade sensorial, qualquer que seja a natureza de tais lesões), é sujeito plenamente humano, com correspondentes direitos inatos, sagrados e invioláveis. Tal afirmação apoia-se no firme reconhecimento de o ser humano possuir uma própria dignidade única e um próprio valor autônomo, desde a concepção e em todos os estádios do desenvolvimento, quaisquer que sejam as suas condições físicas. Este princípio, que brota da reta consciência universal, deve ser tomado como o fundamento inamovível da legislação e da vida social.
Se bem se reflete, poder-se-á mesmo dizer que a pessoa do deficiente, com as limitações e a dor que leva inscritas no seu corpo e nas suas faculdades, põe em maior relevo o mistério do ser humano, com toda a sua dignidade e grandeza. Diante da pessoa deficiente, ficamos introduzidos nas fronteiras secretas da humana existência e deste mistério somos chamados a aproximar-nos com respeito e amor.
2. Como a pessoa portadora de deficiências é um sujeito com todos os seus direitos, deve encontrar facilidades para participar na vida da sociedade em todas as dimensões e a todos os níveis, que sejam acessíveis às suas possibilidades. O reconhecimento destes direitos e o dever da solidariedade humana constituem obrigação e encargo que requerem desempenho, criando-se condições e estruturas psicológicas, sociais, familiares, educativas e legislativas, idôneas para o acolhimento e o desenvolvimento integral da pessoa deficiente.
A Declaração sobre os Direitos das Pessoas Deficientes proclama, de fato, no n. 3, que "as pessoas inválidas têm o direito ao respeito pela sua dignidade humana. As pessoas inválidas — quaisquer que sejam a origem, a natureza e a profundidade da sua deficiência e invalidez — têm os mesmos direitos fundamentais que os seus concidadãos da mesma idade, o que implica em primeiro lugar o direito a viver uma vida decente, tão normal e plena quanto possível".
3. A qualidade de uma sociedade e de uma civilização mede-se pelo respeito que ela manifesta para com os mais débeis dos seus membros. Uma sociedade tecnocraticamente perfeita, onde fossem admitidos só membros plenamente funcionais e onde quem não satisfizesse este modelo ou fosse incapaz de desempenhar o seu papel fosse marginalizado, encerrado ou, ainda pior, eliminado, deveria ser considerada como radicalmente indigna do homem, ainda que tal sociedade se viesse a mostrar economicamente vantajosa. Estaria, na verdade, pervertida por uma espécie de discriminação não menos condenável do que a racial, a discriminação dos fortes e dos "sãos" contra os débeis e os doentes. É necessário afirmar com toda a clareza que a pessoa deficiente é um de nós, participante da nossa mesma humanidade. Reconhecendo-lhe e promovendo-lhe a dignidade e os direitos, nós reconhecemos e promovemos a nossa mesma dignidade e os nossos mesmos direitos.
4. A orientação fundamental, ao considerar os problemas relativos à participação das pessoas deficientes na vida social, deve ser inspirada pelos princípios de integração, normalização e personalização. O princípio da integração opõe-se à tendência ao isolamento, à segregação e à marginalização da pessoa deficiente, mas vai ainda além de uma atitude de mera tolerância a seu respeito. Comporta o esforço para tornar a pessoa deficiente um sujeito de pleno direito, segundo as suas possibilidades, quer no âmbito da vida familiar, quer no da escola, do trabalho e, mais em geral, na comunidade social, política e religiosa.
Deste princípio deriva, em seguida, como natural conseqüência, o da normalização, que significa e implica o esforço tendente a reabilitar completamente as pessoas deficientes com todos os meios e as técnicas que estão hoje ao nosso dispor e, onde isto não se mostre possível, a realizar um quadro de vida e de atividades que se aproxime o mais possível, do normal.
O princípio da personalização, por último, põe em vista que — nas curas de vário gênero, como também nas diversas relações educativas e sociais tendentes a eliminar as deficiências — se deve sempre considerar, proteger e promover, antes de tudo, a dignidade, o bem-estar e o desenvolvimento integral da pessoa deficiente, em todas as suas dimensões e faculdades físicas, morais e espirituais. Tal princípio significa e implica, além disso, a superação de certos ambientes característicos do coletivismo e do anonimato, para os quais a pessoa deficiente é por vezes relegada a viver.
Angelita